11 de junho de 2009

Voar e Nadar

(...) A sensação de voar deve ser, aliás, é-o com toda a certeza, só o pode ser, uma das melhores sensações que se pode ter. A sorte que algumas pessoas têm de voar durante os sonhos é algo incomparável, sublime que apenas se pode ter a pretenção de imaginar e invejar. Imagino, de início, a subida. Sei-o! O salto numa cama elástica tem esse poder: de nos elevar até um pouco mais perto do céu. Sei-o e sinto-o. Fecho os olhos... a inspiração inicial, primordial, profunda, a contracção muscular, subtil, natural, praticamente inata. Começa nos dedos dos pés, esticados, firmes e antagonistas das subida, passa para os pés e já está nas pernas, coxas, nádegas, abdómen, pescoço e, por último, os braços que se elevam em abdução sincronizada até ao infinito. Imagino-o em câmara lenta. A elevação a par com a entrada de oxigénio nos alvéolos, o seu preenchimento como se de hélio se tratasse e, ao chegar "lá a cima", lá continuar. Imagino-o de olhos fechados, sempre. Sinto o vento a roçar no corpo, a descompor os cabelos. Imagino-me a tropeçar nele, o vento. Encaracolo-me, lentamente, como se eu fosse uma núvem, entrelaço-me, rodopio, danço, encolho-me, estico-me e flutuo nessa minha irrealidade volátil. A partir desse momento, é uma águia que voa. Voa veloz, célere, altiva, imponente e majestosa. Abre as asas e desce a pique, voo rasante, perturbante e volta a subir a seu bel´prazer. Sorrio, riu às gargalhadas, incontrolavelmente, num misto de felicidade, irrealidade e nervosismo. É assim que sou nos dois mundos. É esta capacidade de voar de olhos fechados, de rodopiar em câmara lenta com as farófias doces da minha imaginação que me permite olhar para mim e para os outros, os demais, os que estão a mais, com uma outra lente, como se de personagens se tratassem, me tratasse. Não se trata de ser mais imparcial ou objectiva ou acertada, É apenas olhar o mundo de uma outra maneira, mais abrangente e periférica. Nadar é similar! Nada deve lavar melhor os pensamentos maus e sujos e impróprios e desnecessários e dolorosos do que nadar. Nadar numa piscina a descoberto em plena madrugada, rodeada apenas da presença minimalista da luz da lua e das estrelas, cercada de verde escuro natureza. E nadar. Simplesmente nadar, sem perder as forças ou o fôlego ou a capacidade de chegar mais além. Nadar para a frente e para trás. Estibordo e bombordo. Norte e Sul, qual máquina de escrever, e flutuar, tal como no voo, em reticências, de braços abertos, pernas esticadas, na completa hipotonia, e ficar, flutuar e ficar, até ser possível. São as duas formas sem terra, mas com os pés assentes nela, que procuro e invejo. As duas a que permitiria o rapto do real e o transporte para uma outra dimensão. Voar e nadar...

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