30 de novembro de 2009

Nudez sentimental


Nudez sentimental, a tal

Uma cadeira no palco vazio. Uma daquelas altas, de bar, pretas, sem apoio de costas. Daquelas em que nos sentamos temporariamente. Por um tempo. Para dar um tempo até avançar para algo mais. Mas tinha que ser assim. Apenas um apoio. É o que é necessário numa altura dessas. Ninguém se sente confortável quando confrontado com a ausência de roupa. Não física. Imaterial. Não palpável. Não real. Aquela roupa que nos protege, não com tecido, mas com silêncio. Com omissão. A nudez sentimental, a tal, nunca é confortável. Nunca de início. Nunca quando exposta. Nunca com público. A física, a outra, mais fácil. Mais dada. Mais ousada. Menos pessoal, do que a tal. O palco é frio, tal como o silêncio que ainda não se instalou. O burburinho que zumbe na cabeça são abelhas atordoadoras. A exposição consciente… dura. Pedra. Mármore. Aço. Titânio… nunca poderia ter sido algo aconchegante. Como ficar-se sentado e impune sem ser em posição de fuga. Alta. Sem apoio.

Uma peça de cada vez.

O streap tease é de histórias. De actos. De acontecimentos. De relatos. Primeiro sai o casaco. Já tinha ficado no chão logo de início, com o convite, na entrada, na porta. A blusa, de malha, com falhas, rota, rasgada, suada, chorada: desfez-se! O resto? A saia? As meias? As ligas? Os sapatos? O soutien? As cuecas? Saíram sozinhos. Sem ajuda. Sem mãos. Sem acção. Sem intenção. Saltaram como lava incandescente. Ardente. Penitente. Resiliente. Ficou o corpo. E o vazio. O mesmo silêncio. E tudo aquilo que podia ter sido dito se a nudez fosse das palavras e não dos sentimentos.

29 de novembro de 2009

28 de novembro de 2009

24 de novembro de 2009

a vida presa no tempo presente

como é que se conheceram?
da maneira que toda a gente se conhece: a falar. Existe outra maneira de conhecer alguém?
existe… olhas, cheiras, sentes, tocas… saboreias…
falámos durante três dias seguidos. Se-gui-dos. Sem dormir. Sem tomar banho. Mal comemos. Tínhamos tanto, mas tanto para falar, que o tempo não dava para mais nada. Pareceram-me apenas três horas. Nunca apenas três dias. Se-gui-dos. Cada minuto que passava era como mel para os meus lábios. Cada palavra dita uma ode ao momento. Cada suspiro, vida.
foi por isso que partiram?
sim, partimos. Sem parar de falar. Para poder falar. Fomos. Se-gui-dos. Seguimos sem rumo. Sem direcção. Sem objectivos. E continuámos a falar e a andar. E seguimos.
seguidos?
se-gui-dos… perseguido pelo mundo que deixámos para trás. Pela realidade persistente. Insistente que não nos deixava sonhar e voar como queríamos. Pela actualidade acutilante que gritava a cada canto que a pausa se estava a esgotar e que a vida, a nossa, se seguia, não ali, mas lá atrás, onde a tínhamos deixado. No tempo presente.
não era o presente que viviam?
nunca foi. O presente sempre foi o que os outros esperavam que vivêssemos. O aqui foi a outra dimensão que criámos, o botão da pausa que encontrámos e usámos. O aqui foi onde nos foi permitido sonhar sem amarras. Divagámos. Navegámos. Bailámos… Sonhámos. E saboreámos tanto!
durante quanto tempo?
pouco. Demasiado pouco. Menos do que queríamos. Mais do que alguma vez sonhámos. Mas sabes… as coisas boas, são seguidas, se-gui-das por nós enquanto delas nos lembrarmos. Enquanto por elas suspirarmos. Até que um dia, se acomodam confortavelmente num qualquer canto redondo da nossa memória e dão lugar a outras histórias.

23 de novembro de 2009

Fora do corpo: outra

O som da madeira. Velha. Gasta. Rabugenta. Conheço-o melhor do que a palma das minhas mãos. Os nós, os veios, os desgastes, os riscos. A linha da vida do amor da saúde e do dinheiro. Não sei onde estão. Não sei se apontam para Sul ou Norte, ou se se desnorteiam. Como eu. Sentada em cima do cata vento rodopio até ficar tonta. Inebriada. Alcoolizada. Vexada. Ao segundo degrau sei perfeitamente onde estou e volto a mim com a rapidez da inconsciência do éter. O crack não é da droga, é do vício… crack crack à medida que subo os degraus. .. crack crack só mais um vez… Sentada nas escadas. O desgaste não é dos pés com anos nem do peso com pessoas. É de mim. De todas as vezes que pensei aqui vir. De todas as vezes que a vontade por mim passou e aqui se sentou. Neste degrau. Ao som desta madeira grave. De todas as vezes em que não passei da porta. Com o cheiro desta madeira usada. E das outras em que cheguei a entrar. Hoje não ouso passar daqui, deste degrau. Deposito aqui o meu corpo sem vontade nem querer. Acho que o vou deixar aqui e me vou embora. Fica a aguardar a oportunidade. A guardar-se a si mesmo. Quando tiver coragem, voltarei para o vir buscar. Visto-o se assim me apetecer e aí, talvez suba e entre. O corpo é o mesmo. O sítio também. O quarto, idem. Eu, é que já não.

20 de novembro de 2009

Corpóreo

Sinto-te assim. Dormente. Insensível em toda a tua extensão. Quilómetros de ti que não sinto. Poros pelos células escamas pó. Todos lá menos tu. Pele que és. Corpo que é meu. Invólucro da minha bagagem. Tela branca pueril. Em todas as tuas tatuagens sinto-te o cheiro. São minhas. Em mim. Corporificadas. Desenhado a dedo o perfume. Os aromas. Tatuados os toques que não chegam a tocar. As histórias que roçam sem nada me contar. Vejo todos! Os mares e oceanos. As tempestades ciclones tufões ventos fortes tsunamis de emoções. Vejo o quente do Sol-pôr. Corpo meu que me mente. Corporeamente. Não sente. As cicatrizes de todos os que conheci. Em mim. Lá. Ausentes. Caminhos de terra batida. Carreiros. Cortiça marcada a cal. E a escopro. Calmamente. Eternamente. Corpo meu. Corpo mente. Pele livro. Livre. Pele vida. Viva.

18 de novembro de 2009

"...só existe uma comunicação universal autêntica:
a troca dos corpos pela linguagem secreta dos signos corporais."
...
in
A Moeda Viva, pg 67

16 de novembro de 2009

Corpo

s.m. porção distinta de matéria; parte material do homem e dos animais; cadáver; parte do vestuário que cobre o tronco; corporação; divisão de um exército; classe de indivíduos da mesma profissão; consistência; grossura; densidade; altura do tipo de imprensa; espessura do papel ou do tecido; parte principal ou mais volumosa de um organismo; órgão, objecto; edifício. (Lat. corpu[s]).

15 de novembro de 2009

Não é perfeito

Tem imprecisões e indecisões como os outros. Baixos relevos e altas altitudes. Amiúdes. Rugas e viscosidades. Pelos e peles. Entre eles. Nem ao toque. Frio quando longe. Quente quando quase. Estranho quanto baste. Nem ao cheiro. Sempre a fugir levado por qualquer sopro. Sempre menos com inspirações a mais. Cheirado pelos demais. Quais? Nem ao olhar. Demasiado real. O olhar é superficial. Só na imaginação. Está ali, à mão. Preso por fios de marionetas manipuladas por outras. Enfiadas em histórias do querer e do sentir. Não é perfeito. Nunca é perfeito. Apenas meu... teu... deles...

12 de novembro de 2009

My... Your... Theirs...




... Secret Body...

11 de novembro de 2009

Uma mão a mais

Não. A porta não abre. Bato. Loucamente. Empurro-a com força. Torno a bater. Rodo a maçaneta. Tento em vão colocar a minha chave na fechadura. Nem isso. Claro que não. A chave não é de lá. A forma não encaixa com a forma de uma outra chave que não aquela que eu tenho. Bato de novo. Nada. Desço as escadas em passos acelerados. Preciso de ir à rua. Oxigénio-vida. Oxigénio-carburante. Oxigénio-dependência. Inspiro-o em longas golfadas. Longas e lentas. Longa e lentamente. Volto. Impossível não voltar. Resistir… Subo de novo as escadas. O barulho da madeira é ensurdecedor. Térmitas sobem pelas minhas pernas para construir em mim o muro que me faça parar. As aranhas, as outras, estão lá. Vigís. Atentas. Prontas. De novo na porta… quero entrar e não consigo. Tanto… Sinto o cheiro à distância. Persegui-o escadas acima. Estava lá a cada degrau. Na minha cabeça. Seria tudo tão fácil se a porta se abrisse. Sei o que lá está. As histórias. O sofá. O quadro. As teias. O cabelo. As conversas. O mar. As paredes brancas. Alguns sonhos. Outros pesadelos. As Horas. Estico a mão. Lenta e longamente. Desmaterializo-me em partículas e trespasso a porta. A mão. O braço. O peito. A perna. A anca. A barriga. Eu-membros transporto-me porta adentro. Eu-órgãos fico do outro lado… o vazio… o opaco… Estou lá e não estou. Vejo mas não toco. Se toco não sinto. Se sinto é porque não sou Eu. O vento entra pela janela aberta. Dispersa o Eu-partículas. Disperso-me pelo cubo transparente. Partículas de mim perdem-se pelas brechas da madeira. Acho outras. Colecto-as. A saliva o sangue o suor as secreções. O meio para as colar. Juntas. Novas. De novo. Diferentes. As minhas e as outras. Trago uma mão a mais. Esta, tem a chave…

9 de novembro de 2009

Memória do corpo que já não o é

Faz como no filme. Estica o teu braço em direcção ao peito. Desta vez ao teu. Agarra o coração com a mão e arranca-o lá de dentro. Puxa-o até se soltar. Até os vasos e os músculos e as artérias e os tendões se rasgarem, um a um, com aquele barulho oco de quem já não tem nada, nem vida. Agarra-o com força, espreme-o até veres o sangue pingar. Por ti. Escorrer por ti, molhar o chão, pintar a tapete vermelho o que te sustenta. O que te mantém em pé. De pé. Olha-o. Vê se o reconheces como outrora foi. Vermelho paixão. Vermelho sonho. Olha-o pela última vez, porque já não é o mesmo. Nem nunca voltará a ser. Quente. Arredondado. Auriculado. Encarnado rosado. Roxo cianosado. Ainda está quente? Vai deixar de estar… toca-lhe com os lábios. Arde? Onde? No estômago… Agora dá-lhe uma dentada. Morde-o. O sabor metálico do sangue transpira-te. Saboreia-te. Os teus dentes correram por ti abaixo. Fogem de ti como se tivesses lepra. Não são mais parte de ti, nem nunca foram. Sem coração, agora pedra. Sem dentes, agora livres. Derrete-se cada pedaço teu, sem ti, porque o deixas-te de ser há muito… corpo fundido com a terra ausente… sombra contra o Sol inexistente...

... desesperadamente

É sempre assim que vocês chegam. Passinhos de lã. Calados pela calada. De preferência pela madrugada. Assustada. É como eu sempre fico. Sempre…
De início, oiço-vos à distância. Um murmúrio. Uma brisa cantada. Um sussurro. E eu... assustada. Não consigo desligar. Não vos consigo calar. E o volume aumenta. Tal como a tensão. E a exaustão…
Voz após voz e eu tremo. Não domino mais as pernas que vibram. As mãos que suam. O peito que derrete. Dormente. Noite após noite o ritual. A sensação sem igual…
As vozes multiplicam e ganham vida. Mais de mil. À minha volta. E falam e gritam e cantam e berram e alteram cada sinopse da minha cabeça. A vil incerteza…
Não sei quando ficam ou não. Quantos são. Quando vão. O tempo diluído em relógios na mão de Dalí. E eu aqui. No escuro. No canto. No chão… desesperadamente.