Não. A porta não abre. Bato. Loucamente. Empurro-a com força. Torno a bater. Rodo a maçaneta. Tento em vão colocar a minha chave na fechadura. Nem isso. Claro que não. A chave não é de lá. A forma não encaixa com a forma de uma outra chave que não aquela que eu tenho. Bato de novo. Nada. Desço as escadas em passos acelerados. Preciso de ir à rua. Oxigénio-vida. Oxigénio-carburante. Oxigénio-dependência. Inspiro-o em longas golfadas. Longas e lentas. Longa e lentamente. Volto. Impossível não voltar. Resistir… Subo de novo as escadas. O barulho da madeira é ensurdecedor. Térmitas sobem pelas minhas pernas para construir em mim o muro que me faça parar. As aranhas, as outras, estão lá.
Vigís. Atentas. Prontas. De novo na porta… quero entrar e não consigo. Tanto… Sinto o cheiro à distância. Persegui-o escadas acima. Estava lá a cada degrau. Na minha cabeça. Seria tudo tão fácil se a porta se abrisse. Sei o que lá está. As histórias. O sofá. O quadro. As teias. O cabelo. As conversas. O mar. As paredes brancas. Alguns sonhos. Outros pesadelos. As Horas. Estico a mão. Lenta e longamente.
Desmaterializo-me em partículas e trespasso a porta. A mão. O braço. O peito. A perna. A anca. A barriga. Eu-membros transporto-me porta adentro. Eu-
órgãos fico do outro lado… o vazio… o opaco… Estou lá e não estou. Vejo mas não toco. Se toco não sinto. Se sinto é porque não sou Eu. O vento entra pela janela aberta. Dispersa o Eu-partículas. Disperso-me pelo cubo
transparente. Partículas de mim perdem-se pelas brechas da madeira. Acho outras. Colecto-as. A saliva o sangue o suor as secreções. O meio para as colar. Juntas. Novas. De novo. Diferentes. As minhas e as outras. Trago uma mão a mais. Esta, tem a chave…
13 comentários:
Até me arrepiei
Vim cá parar por acaso, e fiquei tonta nesta primeira visita com este post que me cativou e me fez ler até ao fim .... uops... acho q vou voltar!
Duas visitas que apareceram por acaso e me deixaram muito contente :)
Voltem sempre! Eu, estou por cá :)
Isto até é para ler, interpretar, pensar e ficar séria é claro.
Mas quando cheguei à parte .."As aranhas, as outras, estão lá. Vigís. Atentas. Prontas.",
não consegui parar de rir até ao fim, e claro reli a história.
Há uma certa pessoa que conhecemos que quando vê uma aranha fica...quase em pânico. E eu, quando assisto à situação não consigo parar de rir interiormente... É de partir o "coco"
Vamo-nos ficar as duas a rir sozinhas e não contamos nada a ninguém ;)
Que visão... fiquei de boca aberta com uma descrição desintegrante como esta.
Tão desintegrante que desintegras-te também a minha mente... leve, tentadora, arrependida e as vezes irreflectida... esta mente
Quero tudo menos desintegrar a tua mente!
Irreflectidas são todas, parece-me... numa altura ou noutra da nossa vida, umas mais que outras, admito!
Tentadoras... todas! Sempre! De novo, umas mais que outras! Ainda bem que estamos no grupo das "mais" LOL
Arrependedidas... é sinal que existem e pensam e reflectem e agem :)
Um pequeno aparte:
Estou completamente viciada em Kings of Convenience***
Sabes MC, quando estive em Barcelona (a semana passada hehe) eles iam lá dar um concerto no Palau da Música e fiquei com o nome deles na cabeça. Quando cheguei, fui investigar... isto porque uma "amiga" de Facebook colocou lá um link, só coincidências! Portanto, ainda os estou a descobrir, mas confesso que estou a gostar muito também!
Entao tenho de te passar o CD, é viciante e apaixonante* =)
Tens razao. As vezes trazemos partes que nao nos pertencem. Sem querer ou de proposito, nao interessa. O que importa é que ficam connosco e, mesmo se tivermos de as devolver, ficamos com a sensaçao de as ter tido. Genial!
PS. Ouvir Kings of Convenience é viajar...
Tens razao. As vezes trazemos partes que nao nos pertencem. Sem querer ou de proposito, nao interessa. O que importa é que ficam connosco e, mesmo se tivermos de as devolver, ficamos com a sensaçao de as ter tido. Genial!
PS. Ouvir Kings of Convenience é viajar...
Há partes que não são nossas mas que as sentiremos como tal para sempre, porque em dada altura as detivemos.
Muitas vezes, essas partes vieram parar a nós sem que nos apercebessemos disso e, de repente, encontra-nos na posse de algo que não é nosso mas que já faz parte de nós! Como os tais pedaços que "pedaçamos", como uma mão a mais...
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