9 de novembro de 2009

Memória do corpo que já não o é

Faz como no filme. Estica o teu braço em direcção ao peito. Desta vez ao teu. Agarra o coração com a mão e arranca-o lá de dentro. Puxa-o até se soltar. Até os vasos e os músculos e as artérias e os tendões se rasgarem, um a um, com aquele barulho oco de quem já não tem nada, nem vida. Agarra-o com força, espreme-o até veres o sangue pingar. Por ti. Escorrer por ti, molhar o chão, pintar a tapete vermelho o que te sustenta. O que te mantém em pé. De pé. Olha-o. Vê se o reconheces como outrora foi. Vermelho paixão. Vermelho sonho. Olha-o pela última vez, porque já não é o mesmo. Nem nunca voltará a ser. Quente. Arredondado. Auriculado. Encarnado rosado. Roxo cianosado. Ainda está quente? Vai deixar de estar… toca-lhe com os lábios. Arde? Onde? No estômago… Agora dá-lhe uma dentada. Morde-o. O sabor metálico do sangue transpira-te. Saboreia-te. Os teus dentes correram por ti abaixo. Fogem de ti como se tivesses lepra. Não são mais parte de ti, nem nunca foram. Sem coração, agora pedra. Sem dentes, agora livres. Derrete-se cada pedaço teu, sem ti, porque o deixas-te de ser há muito… corpo fundido com a terra ausente… sombra contra o Sol inexistente...

4 comentários:

Anónimo disse...

O meu já o congelei ha muito tempos.

Lina disse...

Ao ler isto, não consegui deixar de pensar...

...nisto

http://www.youtube.com/watch?v=mhxK2IOywVE

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IsaCruz disse...

Gostei do texto.
Mas, se se está numa de "pensar a sério" fica-se numa de "irrequieta e incomodada".
Dava um belo guião para um filme "vampiresco"...
Bj
IsaCruz

CarMG disse...

O coração arrancado à mão faz parte do meu imaginário visual por culpa do Harrison Ford e do Spielberg!
Pelos vistos não faz só parte do meu imaginário...

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