23 de novembro de 2009

Fora do corpo: outra

O som da madeira. Velha. Gasta. Rabugenta. Conheço-o melhor do que a palma das minhas mãos. Os nós, os veios, os desgastes, os riscos. A linha da vida do amor da saúde e do dinheiro. Não sei onde estão. Não sei se apontam para Sul ou Norte, ou se se desnorteiam. Como eu. Sentada em cima do cata vento rodopio até ficar tonta. Inebriada. Alcoolizada. Vexada. Ao segundo degrau sei perfeitamente onde estou e volto a mim com a rapidez da inconsciência do éter. O crack não é da droga, é do vício… crack crack à medida que subo os degraus. .. crack crack só mais um vez… Sentada nas escadas. O desgaste não é dos pés com anos nem do peso com pessoas. É de mim. De todas as vezes que pensei aqui vir. De todas as vezes que a vontade por mim passou e aqui se sentou. Neste degrau. Ao som desta madeira grave. De todas as vezes em que não passei da porta. Com o cheiro desta madeira usada. E das outras em que cheguei a entrar. Hoje não ouso passar daqui, deste degrau. Deposito aqui o meu corpo sem vontade nem querer. Acho que o vou deixar aqui e me vou embora. Fica a aguardar a oportunidade. A guardar-se a si mesmo. Quando tiver coragem, voltarei para o vir buscar. Visto-o se assim me apetecer e aí, talvez suba e entre. O corpo é o mesmo. O sítio também. O quarto, idem. Eu, é que já não.

8 comentários:

Anónimo disse...

surpreendes-me car.... fico enebriada com as tuas palavras... lindo lindo lindo beijokas grandes

littledreamer

Anónimo disse...

surpreendes-me car.... fico enebriada com as tuas palavras... lindo lindo lindo beijokas grandes

littledreamer

CarMG disse...

surpreendida estou eu com os teus comentários... fico... extasiada de contente!
gosto que passem, que leiam, que gostem, que voltem e... que comentem :)

obrigada***

Anónimo disse...

CarMG,

Perfeito, arrepiante...quase que me imaginei e revi. Adoro.

*** Beijinho

IsaCruz disse...

Bonito texto, bem escrito e bem estruturado...
Na minha história de vida muitas vezes eu "não passei a porta" e muitas outras "...cheguei a entrar". Uma coisa em comum nas duas situações. Sempre o meu "Eu" ficou perdido, destroçado e abandonado. "Quando tiver coragem, voltarei para o vir buscar". Sim, porque eu estou além... "Fora do corpo:outra"

CarMG disse...

Eu, aqui deste lado, sempre a mesma, à vossa espera :)

llima disse...

é bonito

CarMG disse...

obrigada :)