11 de julho de 2010

Fetal

Enquanto se mexia, enquanto se tentava encaixar, à procura do seu lugar, da sua posição, da sua composição, do outro lado, os relevos eram notados como espelho: em simétrico. O antónimo do seu movimento. Se se esticava, criava um socalco no avesso. Se se encolhia, montanhas e vales se formavam, de um verde intenso e vibrante, ofuscante, como os campos na primavera. Os recifes, as fendas, os vulcões eram mera consequência da falta de espaço que cada vez mais sentia. Apertado, os metros. Curto, o tempo. Líquido, o sabor. Flutuava. Em câmara lenta, movimentava-se a par com as vibrações do vento que nunca deixava de soprar. Aquela brisa que o mantinha acordado, atento, vigil. Vagal, o reflexo da velocidade no seu microclima. Pouco a pouco as contracções a diminuírem, como o espelho dos vales. O espaço difuso, confuso. O oxigénio, rarefeito... Estava na hora. A pouco e pouco, enquanto se mexia, enquanto se tentava encaixar, à procura do seu lugar, da sua posição, da sua composição, do outro lado, o útero expurgava o seu conteúdo! Expurgava-o! Estava na hora... na hora de renascer.

4 de julho de 2010

Novelos de si, só

Sentou-se.
No chão.
Cruzou as pernas uma na outra num nó de marinheiro sem mar. Sem barco ou vela para velejar. Mas boiou. Sentada no chão, flutuou. Sentada no chão deixou-se levar pelas vagas ímpares. Deixou-se levar pelas horas vagas. Vazias de tão transbordadas de pensamentos. Com as pernas cruzadas. Por longos momentos...
Os pés.
Tão perto como distais. Fortes. Animais. Olhou-os como sempre. Os mesmos. Os que sempre a levaram a tomar todas as decisões. Os mesmos que criavam raízes de carvalho nas florestas assombradas dos pesadelos. Novelos, foi o que pensou. Novelos.
A vê-los.
Ficou. Embalada na sua própria ladainha inata. A sua nata. Trauteou cada nota à sua maneira. Ao seu jeito. E sem jeito ficou com o tempo que demorava a enrolar o novelo que sobrevivia dos nós que, desfeitos, se desfaziam perante os seus olhos. Novelos de si mesma. A partir dos pés. Pedaços de pés que das unhas se enrolavam em circulares irregulares. Proporcionalidades directas: quanto menos unhas mais bolas; quanto menos dedos mais novelos.
E deitou-se.
Continuou a enrolar-se a si mesma para se guardar arrumada por cores formas tamanhos pesos medidas despedidas desmedidas...

Tudo o que precisaria de si, só. Novelos de si dentro de garrafas a boiar. O mar: nas suas vagas ímpares encarregar-se-á de a resgatar.

1 de julho de 2010

D-i-s-t-â-n-c-i-a

Por vezes, dou por mim a pensar na distância. Distância. D-i-s-t-â-n-c-i-a. Podia ser outra coisa qualquer, mas na distância, especificamente. Com a mente. À distância. Na distância.
D-i-s-t-â-n-c-i-a.

Estás a divagar... de novo...

Dou por mim a pensar no que ela significa. Na distância. O que é a distância?

Como definição? Não...

...como é que se mede a distância? Em metros? Ou nos quilómetros em que eles se transformam se esticarmos um plano até ao infinito. Até ao seu limite. Até ao precipício... Até os quilómetros serem galáxias perdidas no universo submergidas em extensos buracos negros à prova do som e da luz e do tempo e dos sentimentos... Medir-se-á em tempo? Contar-se-ão os intermináveis minutos e a sua luta para se perseguirem uns aos outros, incessantemente, ininterruptamente, numa luta que acabará sempre... a seguir?

...

Silêncio... É isso? Mede-se a distância em silêncios?

Não em quantidade. Nunca em qualidade....

... mas em intensidade.... Medem-se em intensidade...

Os silêncios?

Não... "Medem-se" no plural, tudo o que na distância de um silêncio não é dito, "sentem-se" no silêncio que a distância criou...

... que roubou...

[agarrou numa tesoura e cortou tudo o que fosse quantificável. Transformou em farrapos papel, tecido, pele, vida, água. Dentro do copo triturador, verteu o resultado que jorrou janela fora, no topo do mundo para que fosse varrido pelos ventos e tempestades para que estes se dividissem e diluíssem até nada serem, como o infinito, que se persegue sem se achar, que se auto analisa sem se perceber e caiu, derrotada. No chão. No mesmo sitio. Na mesma hora. Na mesma situação...]

No teu silêncio sei a tua distância. A distância que estás de ti mesma, dentro de ti. O mundo... mera estética que adorna o ser.

(e agarrou em todos os relógios e máquinas e utensílios qualificáveis de quantificar. Guardou-os onde sabia que iriam ser encontrados... assim que fossem precisos, de novo... assim que a distância quebrasse o silêncio...)

[e o corpo ficou, inerte, tick-tack-teando, como uma natureza morta, como uma fita métrica estendida...]