14 de novembro de 2010

De novo, do início, como novo

A adoração pelo perfeccionismo como catalisador de uma vida. A impossibilidade de dirigir essa mesma vida se não segundo um valor matemático, em que não há planos nem rectas côncavas ou convexas. Em que o espaço não se torce nem dobra sobre si mesmo. Em que as leis da física, seculares, servem como verdade absoluta. A sua verdade. À sua maneira. A sua física. A sua quântica. Recta! Medições milimétricas a régua e esquadro. O compasso para confirmar a sua razão. E as marcações a tinta da china, para não deixar lugar a enganos. De cinco em cinco milímetros, tick! Mais cinco milímetros: tick! Tick! Tick! Marcado como uma folha de cálculo. Uma prisão a preto e branco em que as linhas, rectas, perfeitas, milimétricas, verticais verificam que os pontos unem. A sua certeza. Recta.
Tudo tem o seu lugar no universo. Tudo. No seu! São leis! É a ordem.
Esterilidade. E um bisturi. Tiras de pele contínuas, equidistantes, nunca somente e apenas semelhantes. Iguais! Gémeas de si mesmas do princípio ao fim. Carris de comboios rápidos retirados do seu lugar com luvas de ourives. Numeradas em romano para nunca saírem do seu lugar exacto na imensidão do universo. Lágrimas de admiração para as lubrificar com o seu próprio ADN...

... agarrou-as, a todas, as tiras, num único novelo. Nem vértices, nem pontas, nem soltas, nem horizontalidade. Romanos misturados com poros e pelos e paixão. Misturou-as e formou um novo abecedário.

13 comentários:

AC disse...

Há que reinventar a vida...
(Gostei muito do texto)

beijo :)

Lina disse...

Tudo seria mais fácil com o perfeccionismo das rectas...mas tudo é mais genuíno com os novelos.

I disse...

Mais fácil e mais aborrecido!Imagino um novelo de letras que desliza, escorrega, salta...

CarMG disse...

AC

Obrigada pela visita, de novo :)Sim, a vida tem que ser reinventada a cada momento, para não adormecermos no aborrecimento.

Lina

Sim, genuino como um novelo! Em que nunca sabemos ao certo como vem a próxima fiada. Em que a puxamos, "só" para a (re)descobrir.

I

Imagino um abecedário enovelado aos pulos por uma estrada fora, tal qual a estrada que vai de Castelo de Vide para Marvão, com árvores simétricas e pintadas, para contrastar com a atitude do novelo de letras :)

Anónimo disse...

é mesmo novo?

CarMG disse...

Tão novo quanto aquilo que se conseguir fazer com as tiras. Com as letras. Com a vida.

TR disse...

Sem dívida o texto que mais gostei!! :)

CarMG disse...

Obrigada!
E, sem "dívidas" algumas, passa sempre que quiseres, TR :)

Blogadinha disse...

No "início" era o verbo - seja qual for o teu, gostei do ADN com que coseste este universo.

Exacto e poético.
Mistura fina! :)

CarMG disse...

No inicio é tudo perfeito, até o verbo! A matriz da perfeição degrada-se quando é mais exacta que o proprio ADN.

:)

Blogadinha disse...

Sempre e sem dúvida. :)

Sofia disse...

Adorei a costura, as bainhas matemáticas a quererem ser fieis ao modelo milimétrico, mas o modelo é só uma representação limitada.Gostei da calma de quem se empenha sem dúvidas e sem pressas nos tick,tick da tinta e dos segundos do relógio. Gostei do narcisismo em que caem algumas buscas interiores inocentemente lubrificadas... E gostei que tenha criado a sua linguagem onde os demais isentos e não atentos só conseguirão captar os romanos e para quem quiser ler o autor terá de perceber a mistura. Olha, ao comentar ia descobrindo ainda mais o que me fizeste pensar. Os textos bons são assim... servem paramuito mais coisa que o original,mas servem o proposito inicial também! Parabéns!

CarMG disse...

:)
Obrigada pelo comentário, Sofia.
O propósito final é agradar. Agradar a quem escreve. Agradar a quem lê. E ficar agradada quando comentam :) Só assim as linhas da costura ficam perfeitas!