5 de abril de 2010

Enquanto alternas entre uma perna e outra

Há quanto tempo é que estás aí a espreitar? Não te vi. Nem sequer te ouvi. Essa mania de olhares sem falar. Pestanejos e saliva nos lábios. Em câmara quase lenta. Apenas isso. Há quantas horas estás aí? Estás inodoro. O teu cheiro denuncia-te sempre. Os cheiros denunciam tudo. As horas. Os sítios. As vontades. As histórias nascem daí. Dos cheiros. E das vontades. Que vontade de ser transparente. Da mesma maneira que és inodoro. Passar invisível mas continuar a ser. Não ser vista mas existir. Na memória? Não… insuficiente. Existir.

Falavam-me em pessoas que saiam dos seus quadros e continuavam a ser até se diluírem. A imagem não me saiu da ideia. Mudar apenas de quadro. Conseguirias continuar a observar? Por vezes só se observam as pessoas nos quadros em que moram. Nos outros, os emprestados. Ocupados. Perdem a capacidade. De existir. De observar. As pessoas. Não te vais fartar, pois não? Vais… Vais deixar de ter saliva. Vai passar a saber a sal e a gretar-te os lábios. Só com mais saliva é que vai desaparecer. E não é no olhar que elas se juntam. Só com o olhar as gretas são grutas e o sal, ácido. Sulfúrico. Continuar-te-á a corroer. Na memória? Não… existes…

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