27 de janeiro de 2011

Possibilidades

Desculpa se mais não faço do que olhar-te ao longe e sorrir-te para dentro, para que não vejas nem sintas. Se te cheiro a vir desvio o caminho para que os meus olhos não tenham que te ouvir falar. Trivialidades. Impossibilidades. E continuou ainda: Penso-me do chapéu às botas como se não houvesse mais. De mim. Ou mesmo dos outros. Para além do visívil, entenda-se. Mas fazemos todos parte da mesma bolha. Respiramos é perfumes diferentes. Eu, só cheiro sabonete com duas pingas de colónia. Porque é essa que não me larga o olfacto. O facto é que ainda não guardei o telescópio que aponta ao céu... E mais não disse.
"E é evidente: conhecem-se os homens pelo que lêem
mas não só. Como matam - que armas usam -
e como se apixonam - que palavras utilizam nas
declarações de amor. Ah, e ainda um pormenor: de

[quem
tens medo? E que nome dás à coisa grande que do céu
nunca chega a vir porque prefere manter-se assim,
possibilidade?
Se decifrares o último barulho que um muribundo faz,
descobrirás a sua religião, eis uma certeza."



Gonçalo M. Tavares
in
Viagem à Índia

7 de janeiro de 2011

"A ausência de fronteiras confere ao deambular um carácter aventuroso, sem risco. O mapa mental correspondente aos trajectos a efectuar possui uma textura plástica, móbil. O pensamento tanto pode ir para a esquerda como para a direita, oscila, perde-se por instantes, esquece-se, acorda novamente, hesita, embala-se, durante horas, neste movimento..."
***
José Gil
in
Portugal, hoje:
O Medo de Existir

4 de janeiro de 2011

"O meu corpo não te esquece"

Com que pele te identificas mais? Qual das muitas que usas te encaixa melhor? Vejo-te com tantas que me perco. Que me baralho. Embaralhas-te em células quadriculadas que vestes de forma aleatória. Ou não? Muda-la quando? Mensalmente? Semanalmente? Presumo que o faças várias vezes no mesmo dia, consoante te encaixas com maior ou menor facilidade no ar que respiram de ti. Há um ardor que se vai sentindo. Urgindo. De dentro para fora, tal e qual como a beleza, quem diria!? Que bem que ficas com a tua pele preferida. Transpareces luz e vida. Viva! Tão intensa e brilhante, que me pergunto de onde vem o tom baço com que já te vi passar por mim. Uma pele não se esquece. Fica cravada em nós como única. E a tua pele... aquela... Te-la-ás mudado nesse dia? Fico na dúvida para quem o terás feito. A pele, deste lado, também não se esquece. Deve ser um reconhecimento intrínseco de peles, uma coisa só delas. Como se identificassem um padrão. Um genoma. Como se decifrassem um código. Um anagrama. Olham-se e resolvem a demonstração que as completa. É um clássico problema de pele. De pele com pele. Ao ponto de, às vezes, não se caber na própria pele com que se anda, como já dizia a canção. Também o corpo não esquece uma pele. Sei de um que dói só de pensar. E de tanto pensar, já me esquecia, que está na hora de mudar para a pele do ano que chegou: clean.