14 de dezembro de 2010

Como nos sonhos

Saltou a vedação e correu. Arame farpado rasgado no tecido desfiado que lá ficou. Lá. Pedaços de fibra e algodão e carne e sangue. Suor que escorria enquanto corria. Sal líquido reluzente em prisma com o Sol. Entrou com a mão dentro da cabeça e arrancou a dor lancinante. Cefaleia-enxaqueca que não despega nem descola, nem fica para trás. Dilacerante. Correu para fugir e deixar de fingir. Analgésico ineficaz que seca o corpo e a voz. Analgésico atroz que prende com pionés o asgar.
Saltou a vedação e correu. Como nos sonhos, sem velocidade. Preso ao chão que lhe foge e de quem foge. A pressa. A taquicárdia. O medo. O acelerar. Como nos sonhos, sem conseguir. Força impulsionadora nos músculos inertes. Potencial de acção com falta de urânio. Mover-se sem conseguir. Chegar mais além sem sair do sitio. Como nos sonhos: voar de bruços. Nadar sem asas. Para além de flutuar ou pairar. Ícaro derretido, como o mágico Escocês. A parésia. Os alvéolos nos lábios para tentar respirar.
Saltou a vedação e viveu.

Sei-te de cor

Por que te sei. Não de cor. Mas sei. Sei-te os passos e as acções. Conheço-te os pensamentos e as intenções. O cheiro que fica e não vai. O toque. O toque... não sai. Sei o que queres antes de ti. Sei o que precisas. Não é de mim. Há em ti uma intermitência agri-doce. Eu, prefiro um a seguir ao outro. Não de ti.
Oiço ao longe os teus passos e adivinho-te o caminho. Seguros e sorridentes. Sei o teu número. A tua peça. Mas o palco é meu. A pele os pelos o pululuar de agitação. Passaste do estômago para o coração. Daí, para o pensamento. Sei-te aí: guardado. Seguro. Tenho-me aqui. A seguir. A sorrir. Reconforto-me naquilo que sei e gosto: ... Por que te sei. Mas sei-me melhor a mim!