29 de outubro de 2009

Muros invisíveis que se tornam reais

Não se agarrou a ela com força. Agarrou-a com força. Com toda a força. Com a que tinha fermentado. Potenciado. Agarrou-a com o desejo mais profundo de nunca mais a largar. A ela. À sua força. Com toda a força que dispunha. Que conseguia gerar dentro de si, de si para si. Para ela. Como se fosse a última vez que a agarrava. Que a tocava. Que a sentia. Agarrá-la daquela forma simbiótica e universal que, de forma transversal, atravessava o seu pensamento mais longínquo. O da finitude. Do fim. Conjunto. Ela. Ali. Tão perto. Tão sua. Tão só. Só de olhá-la não a conseguia largar. Agarrá-la era a única opção. Agarrá-la e prendê-la a si. À sua vida. Na sua vida, foi onde o muro se construiu. Elevou-se. Ele. O muro. Com vida. No meio. Da sua casa. Dos seus braços. Dos seus abraços. Agarrá-la pelos braços. Os dedos crivados a lágrimas, frias. Profundas. Nos braços. Finos. Seguros. Decididos. Impelidos de continuar. De abraçar. Os braços. Os abraços. Ele. Neles. Agarrá-la para torná-la real. Para o sentir. A ele. Aos seus braços. Baços. Sem vida. Deles. Para a sentir. De novo. Para sempre. Sua.

Não a agarrou com força. Agarrou-se a ela com força. A sua força.
"A humidade de lágrimas no rosto mentiroso. Abraçou-a. Ela agarrou-se a ele com força. Ele deu-lhe palmadinhas nas costas, porque lhe tinham dito que isso evocava em toda a gente a reconfortante recordação do bater do coração na mãe dentro do útero."
...
Robert Wilson
in
A Ignorância do Sangue, pg 164

28 de outubro de 2009

Tejo Remy


ser autosuficiente nada tem a ver com dinheiro

Viajar

Para viajar não é preciso andar de um lado para o outro, basta olhar”, dizem. Pois bem, please, take your seats que a viagem vai começar!

O Sítio. É importante? Sim, mas não fundamental. O prazer de se viajar é algo inato. Está acoplado ao prazer da descoberta, ao gosto de se verem coisas novas, diferentes ou não das nossas (vindo essa conclusão à posteriori). Podemos dizer que, numa escala hierárquica, O Sítio, vem em segundo lugar, já que em primeiro, como é óbvio, vem O Viajante. Sem ele, não há viagem! Escolhamos O Sítio, então… Aeroporto? Que melhor sítio para se viajar, mesmo que não se saia da cadeira? Um internacional. Heathrow or Frankfurt! Grande. Cosmopolita. Movimentado. Multicultural. A multiculturalidade é dos aspectos mais interessantes para se viajar num aeroporto. Se não mesmo, O Aspecto Mais Interessante! Em que outro sítio temos a possibilidade de ver pessoas físico-culturalmente diferentes de nós? …o Martim Moniz não é, de certo, resposta… (pobre Martim Moniz, deve andar às voltas na campa…) Quanto maior uma cidade, mais desenvolvida económica e culturalmente, maior é o interesse que o seu aeroporto suscita. E não é só a cultura, física ou não, que transpira de todos aqueles que por nós se cruzam, enquanto viajamos sentados numa qualquer sala de espera. São os pormenores. A diferença. A especificidade. Os cheiros. As cores. O modo de estar. A educação… tanto, tanto… um doce para um olhar atento!

Mudando de objecto-sítio: Viajar sozinho numa esplanada. Café com Bica. Bom tempo. Telemóvel, na falta de um livro ou jornal, para não parecer que se está sozinho. E olhar. E apreciar. E ouvir as conversas alheias. E ver como os outros se movimentam. Como mexem as mãos. Como arranjam o cabelo, daquela forma inconsciente e nervosa. Como seguram o cigarro. Como olham por cima dos óculos. Como andam. Como se balançam. E, novamente, olhar. Assimilar. Viajar.

Mesmo viajando onde se conhece, ou onde se pensa conhecer. É sempre uma viagem nova. Porque os nossos olhos mudam. Tal como nós. Tal como os outros. Tal como tudo o que nos rodeia e que vemos. E olhamos.

E a música, banda sonora de qualquer viagem… por favor… que esteja de acordo… e não é que está?

27 de outubro de 2009

Viagem

s. f. acto de andar para ir de um lugar a outro mais ou menos distante; jornada; navegação; descrição do que se viu ou aconteceu durante um passeio ou jornada; percurso; última -: a morte. Cf. viajem do v. viajar. (Prov.-cat. viatge, do lat. viaticu).

Mais leve mas mais cheio

Era viajante. Apenas isso. Nem loiro nem moreno. Nem bonito nem feito. Nem alto nem magro. Viajante. Apenas. Os adjectivos visíveis eram insuficientes, nada abrangente, reticentes. De tal maneira aculturado fisicamente pelo Mundo, que se torna impossível adjectivar. Olha-se. Mesmo que com atenção. Os traços físicos são montanhas. Os estéticos, lagos. As feridas e arranhões, vulcões. Os adereços, monumentos. Na cabeça, histórias. Na mochila, a vida. Imensa. Plena. Cheia. Não de coisas. Não de peso. Da mochila desenrolam-se negativos de todos os lugares por onde passou. Das gentes das cores dos sons dos cheiros dos sabores. E transporta-se, qual nómada, de lugar em lugar. E distribui-se, qual vendedor ambulante, de pessoa para pessoa, tudo o que se viu e sentiu. E dá-se, a si, aos outros, e dá, mais e si, a todos e transforma-se a cada nova viagem. Apenas isso. Viajante. Mais leve mas mais cheio.

23 de outubro de 2009

Faço-o para não ter que o fazer em necessidade ou desespero. Faço-o porque preciso. Faço-o para não ter que precisar.

Sempre que passo por aqui. Por este sítio. Por esta rua. Por estas escadas. Por esta porta. E vejo o desenho da luz reflectido no chão como sombras chinesas pintadas a guache, tenho que entrar. Sempre o mesmo sítio. Sempre a mesma rua. Sempre as mesmas escadas. Sempre a mesma porta. Sempre Eu em busca do mesmo sofá. Tive que voltar cá. Aqui. Por mais que procure, não existe outro como este. O conforto das coisas que conhecemos. Daquilo que podemos palpar de olhos fechados. A segurança do que sabemos ir encontrar. A descoberta. De nós mesmos. Aqui. O desconforto da nudez sentimental destapada por palavras monossilábicas. O chão volátil que flutua por baixo dos pés, como que a fugir. Como que, para não fugir. A rede sem malha que desprende as lascas agarradas às paredes. Uma a uma. Fagulhas incandescentes queimam, incrustadas na pele. Mas só aqui. Neste sofá. Dentro deste cubo. Transparente para fora. Opaco para dentro.

porque quem me conhece sabe que sou incapaz de não partilhar aquilo que faço com aqueles que gosto

E eu gostava que carregassem no título!

19 de outubro de 2009

Criaturas

Criaturas. Fantasmagóricas. Alteradas. Assustadoras. Feias. Decrépitas. Bonecos de fazer sorrir transformados em personagens de filmes de terror. A Branca de Neve, púdica, engasgada com a maça da bruxa má, no chão, despojada de vida mas não de pudor. Coelhos grávidos que não correm atrás de Alices, mas que fazem outros, infelizes. Massacrados. O lobo que não come o Capuchinho Vermelho, antes, é comido, devorado. Histórias ao contrário. Antónimos dos contos. Do avessos. Macacos simpáticos de circo, a rastejar, feridos, pelo chão. Ensanguentados. Estripados. Incestos duvidosos. Ares angelicais a par com a fealdade do ser, mais interna ou exposta. Ali. Figuras do imaginário infantil transpostas para os adjectivos adultos. Recalcamentos alheios em telas. Gigantes. A ferocidade dos sentimentos. Dos actos. Das posições. A mulher cão que protege, o quê? De quem? A atracção. A vampirização. O crocodilo sodomita. As avestruzes bailarinas. O preto cruel com o rosa cetim inocente. A contemporaneidade das mãos. Protectoras. Exibicionistas. As sombras em contraste com a luz. A tinta da china com o pastel. O preto e branco com a cor. Os recortes com as gravuras. A ilustração de uma história viva com vida, provavelmente vivida e contada entre cada moldura. Recta. Não a estética. Não. Antes os labirintos da mente sem limites. Do brilhantismo da criação sinuosa dos sonhos e a sua transposição para o real. Frio. Cruel. Um conto, foi o que li.

Paula Rego



Dante

"Ali no ar sem estrelas ressoavam suspiros, prantos e gemidos fundos, que de início o pranto me causaram. Línguas diversas, blasfémias horrorosas, palavras doloridas, inflexões iradas, vozes fortes e roucas e, conjuntamente, mãos batendo faziam um tumulto sem cessar naquela atmosfera eternamente densa, como a areia remexida por um turbilhão. E eu, que sentia a cabeça apertada de horror, perguntei: «Mestre, que é isto que oiço? E que gente é esta, assim vencida pela dor?»"
...
Dante
in
A Divina Comédia:
O Inferno
pg. 17

Dominante

É a noite. Em todo o seu tamanho. Em toda a sua imensidão. Escura. Negra. Profunda. Difusa. Aglutinadora. Domadora de sentidos. Tidos como fechados. Na de Pandora. Na caixa. Fechada. Que à noite se abre com o uivo dos lobisomens.
É à noite. Que as prisões e repressões se expõem no negro da luz. No escuro do dia. No breu sem céu. Só horizonte. Longe. E saem livres e impunes. Irreconhecíveis na sua inexistência. Que as sombras curvilíneas se movem e mexem e dançam e sentem. Escondidas.
É na noite. Que os corpos duplicam. E o sal se mistura. Pura. Mente. Na noite ardente. Que o desejo perpetua. Arde. Sente. E a vontade galopa. Livre. Crente.
Só a noite. Amante. Dá vida. Dominante.

17 de outubro de 2009

Dominação

No meu domínio. Denomino-me como quero. Como posso. Quando passo. Quando o íman. Forte. Me puxa de encontre às paredes. E assim me faz permanecer enquanto activo. Enquanto o princípio activa as polaridades negativas e positivas. E relativiza o entendimento da física. Enquanto suspensa. Fico. Fraca. Fácil. Frágil. Ágil na tentativa inerte da fuga. Frágil. Fácil. Fraca. E fico. No frio das noites em branco. No fio do que ficou a meio. No rio que não segue direito. E riu. Me, de mim. Te, de ti. Vos, de todos. Presa nas teias de chumbo cortadas. Abertas. Dispersas. Disponíveis. Para mim. Assim. No meu domínio. Onde não domino. Apenas denomino. Me.

15 de outubro de 2009

Domínio


O Perfeito Domínio

Cordas e correntes apertadas, a cadeado fechadas. Ao longo do corpo enroladas num acto de dominação.
Sono cansado. Pesado. Trabalhado. Olhos suturados obnubilam a visão.
A cama de todos. De tudo. Dos corpos. Das mentes. Das ideias. Da imaginação.
Dos sonhos, não.
Mergulho no escuro. Da cama ferrada, da vida tapada. Acorrentada à exaustão.

12 de outubro de 2009

A Feiticeira e o Aprendiz

Anda daí.

Onde vamos?

Vou-te levar a um sítio. Especial. Vou-te levar ao sítio mais bonito do Mundo. Onde o Céu e a Terra se juntam. Onde consegues tocar nas Estrelas, fazer-lhes cócegas e mudá-las de lugar. Onde o som do Mar é a banda sonora perfeita para a simbiose que só lá se alcança. Onde fechas os olhos e te sentes a flutuar. Onde danças com o Vento.

É mais um dos teus sítios imaginários onde as tuas personagens te fazem companhia?

Não. Este é real. Vais vê-lo e senti-lo. Cheirá-lo. Tocá-lo. E, no final, vais descrevermo-lo para eu saber se o viveste tal como eu. Para eu comparar as tuas sensações, as tuas percepções, os teus sentimentos e para aprender contigo o que te tentei ensinar.

O que devo levar?

Vontade.Um espírito aberto e uma mente estéril. E vinho. Imitaremos os sábios Maias e vamos incorporar a Natureza, ver o futuro, o que nos espera, o que ele nos reserva, o que está traçado, como se o destino existisse. Vamos fumar o cachimbo dos sonhos e rir às gargalhadas com as descobertas que faremos. Um do outro. Vamos interpretar o fumo que se dispersa no Ar e distinguir as suas formas pagãs.

E o Mar? Ouve-se bem?

Como se a própria Tétis, deusa do Mar, se sentasse ao teu lado, juntamente com as sereias de Ulisses. A cantar. E som é de tal maneira nítido, que conseguimos ouvir os peixes e o canto das baleias dos Açores em migração. Serão eles a tua companhia, nesta nossa viagem.

E tu, onde estarás?

Ao teu lado. A ouvir-te e a ler-te o rosto enquanto a Lua se desvia e pinta as sombras com vida que se vão desenhando, transformando-o a cada momento em algo novo, à medida que os teus pensamentos mudam. Como se fosses uma tela de cinema.

E o que vamos fazer?

Falar. Falar. Falar. Como se não houvesse amanhã. Falar de tudo e de nada. De como o cheiro do Outono é forte e intenso. Especialmente de noite, quando o orvalho intensifica o aroma a terra molhada. Falaremos dos sapatos brilhantes da Dorothy e do valor da amizade. Falaremos do pote de ouro que está no final do arco-íris. De como é bom viajar entre os sonhos e entre mundos paralelos. De como é bom ser ouvido. E ouvir. Ouvir. Ouvir.

E quando estiver frio, beberemos mais vinho e seremos mais feiticeiros ainda e afortunados por podermos partilhar o vento fresco e uma manta polar, em plena Serra, em plena Noite, ao som do Mar e da Natureza, iluminados pela Lua e pelas Estrelas.

E vamos sorrir. De olhos fechados.

E, mesmo no escuro da noite, vamos conseguir ver.

Que a felicidade está na partilha.

Destes pequenos momentos.

Intensos.

Imensos.

E únicos.

11 de outubro de 2009

Diana krall


A Garota de Ipanema só apareceu no fim do espectáculo! Veio atrasada, mais uma, como tantos outros, que não fazem ideia do que perderam, se é que se pode perder o que não se tem só porque não se ouve, não se vê, não se sente. Cheek to cheek foi quase como se estava, no amontoado geometricamente separado entre joelhos e cabeças, sapatos e cabelos, música e dança. Tudo ali, tão perto, tão longe, lá dentro. Walk on by… Viagens do Canadá à Austrália. Do Brasil a Portugal. Viagens de dentro para fora, de fora para dentro, enquanto o som envolvente seguia a ritmo compassado, ondulante, titubeante, encantado. So nice. Uma delicia. As cores, a noite, o céu, as pessoas, os sons, a temperatura, a companhia e a música… Too Marvelous for Words on a Quiet Night

8 de outubro de 2009

Ihr Parfüm

Como uma brisa. Em movimento. A trinta e três rotações, como os discos, que giram, como a brisa, que move e risca a paus de giz o ar, como um caminho. Como o caminho, a seguir. A perseguir. A ser perseguido. Pela brisa. Daquelas de final de dia nas tardes de Verão. Suave. Subtil. Silenciosa. Insuspeita. Mas atenta, na sua rota centrífuga. Em que o centro não permite mais a fuga. Como uma dessas brisas quentes transportadas dos países tropicais onde tudo vibra em uníssono: o calor a música o suor os corpos o sal a sede o desejo a vontade. Como tantas outras brisas, sopradas das nuvens despertas, que libertas da sua vontade, as oferecem aos outros, que cheiram e sentem, que inspiram e recordam, que expiram mas guardam o seu cheiro, cheio. Apenas uma brisa, primária, naquele compasso em que o olhar passa e se cruza, no sentido em que a brisa será sentida, com o sentido de ser soletrada, notada e relembrada. A brisa. Presente. Acutila o olfacto e trás de novo o aroma de volta. Que fica.

6 de outubro de 2009

... eu sei

Assim, misturada na multidão, daquele jeito feiticeiro dos Índios que contrasta com o branco pálido da minha tez. Sou invisível. E diluo-me, imaterial. Sou uma personagem minha que não Eu. E observo. Vagueio perdida com um rumo pouco definido, incerto. Deixo-me seguir no meu ritmo lento de exploradora enquanto caço com o olhar o andar ondulante da urbe que passa. Que me arrasta na mesma direcção. E saboreio. A sensação de impunidade de lhes roubar as almas de tanto os prender em mim. De os pensar e analisar. De os medir e avaliar. De os desprezar por seguirem sem ver, sem sentir, nem mentir. E delicio-me por poder ir sem pressas, sem demoras, simplesmente ir na liberdade do passo lento, dançável, como um bolero que tanto quero e que danço com a multidão sem ela saber. Porque eu sei. Sei que, quanto mais rápido for o nosso passo. Quanto mais rápido quisermos chegar. Quanto mais rápido chegar o amanhã… mais rápido nos vamos esquecer de inspirar o hoje.

5 de outubro de 2009


Amigos Imaginários?

Como uma pessoa consegue andar uma vida inteira enganada A fazer mal. A desperdiçar tempo com coisas que, na realidade, não servem para nada. Até que, um dia, do nada, tem uma visão, um insigh e tudo passa a fazer sentido de uma outra maneira, da outra maneira, ao contrário, quase do avesso! De certo que não se passa somente comigo, mas fui eu que tive a última revelação e fui eu quem teve que lidar com ela… Toda a vida tive amigos imaginários. Quem me conhece sabe, quem não conhece, desconfia. Fazem parte do meu imaginário, a par com a realidade disfarçada em que vivo. Falamos muitas vezes uns com os outros e temos com cada conversa… na maior parte das vezes concordam comigo, raramente discordam ou discutem e, desta maneira, temos partilhado uma vida conjunta já com alguns anos de desenvolvimento. Só que… há pouco dias, tive uma revelação. Daquelas que aparecem do nada, que surgem imateriais mas que rapidamente se materializam na nossa cabeça e já não saem mais! Decerto que não estou a falar estrangeiro para ninguém. Nesta aparição tive a consciência daquilo que tenho andado a fazer estes anos todos. A falar com personagens? Imaginárias? Pessoas do meu dia-a-dia que materializo ao meu lado e com quem vou mantendo conversas e que me respondem aquilo que quero ouvir. Onde é que tenho andado com a cabeça?! Cheguei à conclusão, tímida e envergonhada, que tenho andado a perder tempo toda uma vida com... isto. Isto, quando poderia muito bem ter mantido estas conversas com os objectos que me rodeiam! Já alguém imaginou a quantidade de história que os objectos que nos rodeiam e que acompanham a nossa vida, todos e todos os dias, têm para nos contar?!
Descobri um novo mundo! Vou explorá-lo!

4 de outubro de 2009

Àquem... sempre, sempre além...

3 de outubro de 2009

"Tudo o que se pensou do amor ou da loucura através dos séculos assinala a existência e como que a localização de coisas em si. Todavia, não possuímos uma verdade adequada das coisas, porque só alcançamos uma coisa em si através da ideia que dela construímos em cada época."
...
Paul Veyne
in
Foucault
o pensamento
a pessoa
pg.16

2 de outubro de 2009

Exorcização dos Demónios

Adiou. Adiou. Adiou. Até que não foi mais possível. Até que se tornou impossível! Era hoje. Agora. Não suportava mais e não queria mais testar o limite dos limites que acreditava já ter atingido e ultrapassado. O limiar da sanidade ainda presente lado a lado com o abismo para onde olhava. A exorcização dos seus demónios só seria feita na presença dos mesmos, com ou sem padre. Com ou sem mãe. Com ou sem amanhã. Ámen.

Entrou.

Um a um foram aparecendo. Todos eles. Todas elas. Criações suas, da sua cabeça, da sua ficção, da sua vida, do seu dia-a-dia. Todos ali presentes no mesmo espaço contíguo, limitado, delimitado e apertado. Na escuridão. O sufoco da sobrelotação da cabeça e do corpo. Da irrespirabilidade do espaço e da mente. Um a um, na sua vez, na sua loucura, na sua obsessão. Encarnaria cada uma das suas personagens até as esgotar de tanto as sentir, de tanto se sentir, até se esgotar e degolar de tanto as viver com a violência latente que emanava de cada gota de suor que escorria. E cada gota salgada era um novo corte. E cada gota de sangue era uma nova obsessão. E cada novo corte uma nova personagem, que testava, continuamente, compulsivamente para não sobrar nada de nada do nada que o nada é. E ficar o vazio e o vácuo. O nada. A mudez. A cegueira. A insensibilidade. A ausência, onde ficava a planar até, a pouco e pouco, ir voltando a si. Parestésica. Despida das feridas e das queimaduras infligidas. Aos outros. Despida dos pensamentos e das histórias. Dos outros. E voltar a Si. Febril. Letárgica… Lenta e delirantemente...

Cá fora, de novo. Nova.