31 de agosto de 2009

Posso entrar?

Resolvi entrar sem bater. A porta estava aberta e, se assim estava, é porque só podia ser um convite a quem passasse. Não que eu estivesse de passagem. Passei, mas porque vinha a caminho. No fundo estamos sempre em busca de algo, a caminho de alguma coisa, mesmo quando estagnamos, imóveis, imutáveis. E uma porta aberta, é quase um voucher de aventura, com o desconhecido do outro lado. Posso-me sentar? Obrigada. Vim de escadas, achava que assim chegava mais rápido. Achava que assim chegava cá, não me fosse enganar a carregar no botão do elevador. Não seria a primeira vez. Certa vez fiz uma viagem além fronteira só porque marquei o andar errado. Ou terei marcado o certo? Acabei a andar num tapete voador, daqueles persas, trabalhados. E como aquilo voava! Mas foi uma viagem curta. Mas foi uma viagem inesquecível! Mas foi já há muito tempo. Parece que as coisas boas, foram sempre há muito tempo. O presente nunca é suficiente, nunca é o esperado, como se as nossas expectativas ficassem sempre aquém. O presente é sempre um meio-termo, um termo meio cheio, cheio de tudo aquilo que, de momento, nem sequer queremos. Só na falta do que temos, quando se transforma em passado, é que passa a ser bom. Que inconstância. Que inquietude. Que instabilidade. Nota-se que ando mais instável? Claro. Foi por isso que vim. E entrei. Resolvi entrar sem bater porque a porta estava aberta. Achei que não faria mal. Mas, se calhar, vim em má hora. Vim? Posso voltar noutra altura. Quando estiver de passagem a caminho de alguma coisa ou em busca de algo. Talvez até encontre e já não precise de entrar. Talvez a porta já esteja fechada. Fecho-a quando sair? Obrigada.

30 de agosto de 2009

28 de agosto de 2009

Agosto


27 de agosto de 2009

A gosto

Quente, sufocante, aconchegante, irrespirável, impensável de ser de outra maneira que não letárgica, alérgica a qualquer descida da temperatura sentida ou vivida, na pele, no estômago, condensada num módulo romano de conquista além mar. Agosto em pleno no rosto ao sentir o suor a gosto, pelo corpo com sal de desejo e de mar, a navegar nas ondas incessantes de um Verão que ameaça não chegar e não ficar e apenas diluir-se, marcado a bronze bikini indelével.

26 de agosto de 2009

As pequenas coisas que nos fazem sorrir

As pequenas coisas. Aquelas pequenas coisas que, sem razão aparente e vindas do nada, nos fazem sorrir. Mesmo sem o compreender, mesmo sem descobrir uma razão com lógica para tal. Apenas, porque sim. Apenas. Esta noite, vinha eu a conduzir, mais uma vez a conduzir, (mais parece que passo metade da minha vida ao volante do meu carro-só-me-dá-problemas, o que no fundo, tem uma ponta de verdade, no meio desta minha vida semi-nómada...). Parei num semáforo, num dos muitos e múltiplos e multiplicados e multiplicáveis semáforos que, juntamente com as horas ao volante, compõem a minha vida, especialmente quando não se transformam noutra cor que não o vermelho-STOP. Cantava, como sempre, a música que passava na rádio. Nem sequer tive que inventar muito a letra, como por vezes se torna necessário, dado as letras das músicas mudarem constantemente, como todos sabemos, a par com as vezes que os cantores se enganam. Passava Mafalda Veiga, “Em Cada Lugar Teu”, ao vivo no concerto mais pequeno do mundo da Rádio Comercial. Eu, como sempre, mais entusiasmada no meu concerto privado e pessoal do que a própria Mafalda no dela, cantava cada vez mais efusiva, ou tão efusiva quanto a minha rouquidão-praticamente-afonia me permitia. Olhei para o retrovisor, afinal estava parada e tinha que olhar mesmo para algum lado, não fosse o condutor da frente achar que eu tinha uma fixação psiquiátrica qualquer pelo seu carro, quando me deparo com a pessoa que ia no carro atrás do meu: não é que estava a cantar a mesma canção?! Obviamente que o som não chegou a mim da forma a que a primeira leitura induz, mas a abanar a cabeça ao mesmo ritmo que eu e a movimentar os lábios no mesmo compasso. Quase que tive vontade de sair do carro e ir falar com a rapariga. Não o fiz, afinal ainda me resta algum bom senso, mas tive vontade. Juro que sim! E nisto, o semáforo passou para verde-toca-a-arrancar e eu segui. Abri piscas para a direita (apesar de só ter empurrado a patilha) e segui a minha viagem a sorrir. Quase ridículo, bem sei, mas fez-me sorrir até casa este sentimento de partilha anónimo. E é este mais um exemplo do encadeamento de vidas. Desta vez, não me parece que eu tenha influenciado a vida de outrém, mas alguém desconhecido fez sorrir o meu final de dia.

24 de agosto de 2009

"Talvez não possa ser de outra maneira, talvez seja preciso escolher: não ser nada ou representar o que é. Mas é terrível ser-se levado pela nossa própria natureza."
...
Sartre
in
A Idade da Razão
(Os Caminhos da Liberdade), pg. 264

23 de agosto de 2009

Mil visitas ao meu blog. Mil visitas ao meu blog… Mil visitas ao meu blog?! AO MEU BLOG??!!!!

Wow...

Vida de Pó

Escorregou da prateleira. Sequiosa de companhia, de convívio, na ânsia de encontrar outras como ela, pequenas, imperceptíveis, quase invisíveis na sua unidade, na sua existência individual praticamente nula. Escorregou devagar, a medo. Passou rente ao aquário, o mesmo, tão rente e tão perto que diria que entrou, se sentou e conversou, no tal sítio. Mas foi apenas um aceno que de lá recebeu, da mesma. E seguiu. Deslizou pelo aparador e sentiu-se grande, importante, imponente nessa sua descoberta da vida para lá da prateleira. No aparador já era maior, já não era apenas a mesma, uma. Lá, o sentimento de superioridade ultrapassava o que até aí sabia da vida. Já não estava mais sozinha, já não dependia apenas dela mesma. Sentiu-se acarinhada, compreendida, descobriu que tantas outras, como ela, haviam passado pelo mesmo, pela eclosão solitária e estéril num qualquer outro ponto, distante, indefinido, irrelevante. Aqui, o sentimento de pertença fê-la acreditar que o passado apenas havia sido um meio para o fim presente, e sentiu-se majestosa. E não ficou por ali. O Mundo para lá do aparador, quadrado, não a assustava, não as assustava. E deixou-se levar presa a uma lufada de ar. Voou na sua leveza de pena com asas, na sua globalidade familiar de bando, digerindo cada novo milímetro de conhecimento. No chão era imensa. Já não era apenas grande, era gigante, populosa, dominadora, déspota do seu território, qual cisne transformado, a pequena partícula de Pó havia-se metamorfoseado em cotão.
Maldita!!!

21 de agosto de 2009

Sul (def.)

s. m. ponto cardeal diametralmente oposto ao norte; meridião; meio-dia; vento que sopra desse ponto. Designa-se abreviadamente por S e grafa-se com maiúscula inicial quando designa regiões. (Fr. sud, do ang.-sax. suth)

Sul (cont.)

Fui ao Sul. Fui ao Sul para encontrar, para me encontrar porque perdida, em tempos, me parecia estar. Perdida numa selva alegórica cujas criaturas, minhas conhecidas por apresentar e descobrir, por explorar e desafiar, em mim habitavam. A mim me habituavam a viver numa loucura insana, sem sentido e direccionada. Fui ao Sul para sentir o vento na cara a falar-me ao ouvido e nada ouvir. Para descobrir o que sabia sem sequer o saber. Que o contraste do azul céu com o creme seco palha faz nascer papoilas no ninho das cegonhas. Mas no sul nada encontrei nem me encontrei e segui. Segui os pontos cardeais Sul acima para em todos eles me picar na sua ponta aguçada, afiada, que me desfiava sem sentir ou mentir, a mim. Meti-me Sul a dentro para não soluçar o compasso das horas e apenas dançar no imaginário da ficção, protegida a vidro arco-íris. No Sul permaneci, embalada no bolero baloiçante dos rolos de palha plantada na planície geométrica azeitona.

18 de agosto de 2009

Sul

by Carina G. (com som)

"Olho a planície (...)
e sinto-me invadido dessa plenitude
de quem olha o mar
do alto de uma falésia."
...
Vergílio Ferreira
in
Aparição

16 de agosto de 2009

Sabe bem...

noites de Verão quentes contar as estrelas e apontar com o dedo e passear de mãos dadas sem falar e falar de tudo e mais alguma coisa e o cheiro a terra molhada quando chove e sentar na areia e olhar o mar e fazer guerras de areia e rebolar na areia e fazer sku e beber copos com os amigos e ter conversas parvas e ter amigos e ter conversas viajar sem destino conduzir de janela aberta com música alta cantar em todo o lado cantar musica pimba e dizer que é pela piada ir ao cinema e ver um bom filme ver outro de seguida e ir a museus aprender e comprar livros e começar logo a lê-los e saltar palavras para chegar ao fim comprar roupa gastar dinheiro tirar fotografias ver fotografias mostrar fotografias andar a pé sem rumo nadar no mar sem ondas estar horas ao sol quente ficar bronzeada olhar para espelhos que não engordam ouvir piropos rir de uma piada seca tentar dizer uma piada seca e não controlar o riso e doer o estômago e estar na esplanada ao final da tarde e ver o pôr do sol sorrir partilhar uma sobremesa partilhar uma pastilha elástica re-aprender a fazer balões falar com pessoas interessantes ser interessante sonhar e recordar os sonhos sonhar acordada falar sozinha e eu responder falar sozinha e alguém responder beber mojitos com caracóis comer bolas de manteiga e tortas de chocolate correr pela casa jogar badminton em casa fazer rafting e ter medo e frio e querer fazer mais ter surpresas fazer surpresas amar e ser amado pensar e ser pensado deitar tarde e não levantar cedo e conseguir levantar cedo e ser feliz

12 de agosto de 2009

Ninguém o fará por nós

Porque os pores-do-sol nunca são iguais.
Porque não vamos para novos.
Porque se não arriscarmos, ninguém arriscará por nós.
Porque se não vivermos, ninguém o fará por nós.
E porque nunca saberemos quando será o último mergulho de Verão:
mergulha de cabeça
sem medo
porque só assim te sentirás vivo!

11 de agosto de 2009


Rotundas da Vida

As voltas que a vida dá. Em círculos, imperfeitos, esborratados, por vezes forçados, indo de encontro ao início, ou ao fim e se une, num acto contínuo, numa circunferência ondulante e ininterrupta que, como as ondas do mar, segue o seu caminho, de sete em sete. Como um gato. Que as tem mais que uma. Felino, como quem vive quem recomeça de novo. Faminto, como quem não sabe onde é o fim. Feliz, como quem vive e não pensa. Nem sente. Apenas passa. E curva.

Vício

s.m. defeito pelo qual uma pessoa ou uma coisa se afasta do tipo normal, de maneira a ficar mais ou menos inapta a cumprir o seu fim; hábito profundamente enraizado de acções gravemente imorais; mau hábito; costumeira; impetinência; erro; libertinagem; desmoralização.

10 de agosto de 2009

Da ponta dos pés à ponta do cabelo não há um meio, porque o meio sou Eu, e Eu sou da ponta dos cabelos à ponta dos pés, sem meio, mas ao meio, só Eu.

Só, na multidão...

A capacidade de estarmos sozinhos no meio da multidão (quando não imposta), é intrínseca à maneira como nos sentimos. É proporcional à estabilidade do inconsciente e inversamente proporcional à vulnerabilidade de nós mesmos.
Usufruir do estar-se sozinho, só funciona quando as vozes interiores se calam, quando o pensamento inseguro se desliga e quando nos conseguimos desligar do mundo que nos rodeia, podendo assim, passar a observá-lo e analisá-lo.
Inspirações de confiança de forma a homogeneizar o sentimento de segurança, de periodicidade regular e contínua, equilibram a balança que tende para o negativo, como se de difícil se tratasse. Mentira. Basta praticar. E, ao mesmo tempo, dominar a insegurança. Aniquila-se metade do egocentrismo que leva ao desconforto, porque, se não acreditássemos que o Mundo tem os olhos postos em nós, não no sentiríamos tão incomodados.
Admiro, portanto, quem tem a capacidade de saber estar só, de conseguir estar só e estar bem. Claro que, também admiro quem, dia após dia, se esforça para o conseguir! Admiro todos aqueles que se esforçam para serem melhores, seja naquilo que for…

9 de agosto de 2009

Há Pessoas Assim

Há pessoas que têm um dom. Há muitas pessoas que têm um dom. Também há pessoas que têm muitos dons. Mas há aquelas que têm o dom particular de fazer com que toda a gente goste delas. Há pessoas assim! É verdade! E extraordinário também. E não deixo de me perguntar, como é que o conseguem? Será a maneira como falam? Como sorriem? Será aquilo que dizem? As histórias que contam? A maneira como o fazem? Será a sua energia? A sua serenidade? O tom de voz? Para mim é um mistério, um verdadeiro mistério. Um mito. Urbano. O único problema, é que falam para nós daquela maneira especial e envolvente… com que falam para toda a gente. E nós, que naquele momento no sentimos tão especiais… passamos a ser apenas mais um… Há pessoas assim…

8 de agosto de 2009


7 de agosto de 2009

I´ve got to see you again

“Lines on your face don´t bother me…” Canto e conduzo, lines on your face don´t bother me. Meto a primeira. Embraiagem, acelerador e a música continua a tocar “Late in the night, when I´m all alone…” olho para cima e lá estão a Lua e para a Estrela que, desde ontem, me acompanham até casa. Em plena cidade, brilhantes, ofuscantes, nítidas, as duas, lá no alto, comigo, enquanto estou parada no trânsito a meio da noite. A caminho do meio de Agosto. A gosto de uma noite de Verão. “I could almost go there, just to watch you be seen” nesta noite fria, em que fria não é a luz da Lua. Nem da Estrela paralela que perpendicularmente se coloca a seu lado. Alterno entre a primeira e a segunda e avanço por etapas. Alterno entre o início e fim e perco-me pelo meio, “I can´t help myself…” I´ve got to see you again. E o refrão repete. E a canção repete. E a história repete. “Lines on your face…”

Nunca somos idênticos a nós próprios

"Na verdade, mesmo que um animal passe por um ser vivo e idêntico a si próprio no tempo que medeia entre a infância e a velhice, mesmo que se afirme ser o mesmo, nunca é, na verdade, sempre o mesmo. Incessantemente rejuvenesce e continuamente perde o pêlo, a carne, os ossos, e o sangue e, não apenas no corpo, mas também no espírito. Costumes, carácter, opiniões, paixões, prazeres, aborrecimentos, temores, jamais qualquer dessas coisas se conserva sempre igual no nosso espírito, mas umas nascem e outras morrem. Mas, o que é ainda mais estranho, é que os nossos conhecimentos tão depressa nascem como perecem, e nunca somos idênticos a nós próprios."

Platão

in

O Banquete

(O Simpósio ou do Amor) pg.98

6 de agosto de 2009

Como se me soubesse a fel este sabor a mel. Como te sei cruel, óh Tentação!

O Teu Toque

Imagino o teu toque.

Sei-o. Sinto-o.

Contido. Limitado. Renitente. Reticente.
Com pausas. Indecisões. Dúvidas. Recuos e avanços.
Com tremores. Com vontade. Com medo.
Com desejo. Com receio.
Imagino-o por mim fora. Por mim adentro.

Sei-o. Sinto-o.

Mágico. Firme. Sensual. Delicado.
Decidido. Conhecedor. Explorador. Atrevido.
Desprotegido. Meigo. Terno.
Ergonómico. Económico.
Imagino-o meu.
Por mim. Para mim. Através de mim.

Sei-o. Sinto-o.

Desejoso. Temeroso. Libidinoso. Apaixonado.
Desesperado. Acordado. A dormir. Verdadeiro.
Pulsátil. Inocente. Envergonhado. Dependente.
Viciante. Viciado. Sonhado. Despido. Temido.
Imagino-o como único que é.

1 de agosto de 2009

Habitual. Normal. Característico. Adjectivável.

... sim, faço-o de vez em quando. Não com uma ciclicidade periódica, nem uma periodicidade rotineira, mas de quando em vez faço-o. Não é um hábito nem um costume, diria que é apenas uma mania, mais uma, mas uma mania com lógica, com razão de ser e aplicabilidade prática, só assim as manias fazem sentido, pelo menos as minhas. Aliás, as minhas fazem sempre sentido, de outra maneira, não seriam as minhas manias, nem manias sequer. A ocasionalidade não se prende com o conforto e segurança das actividades rotineiras, a única segurança é a facilidade de pensamento, a desenvoltura aritmética do dia-a-dia de forma a não ser tão dependente dos gadgets actuais, mas não perdendo a dependência material da sua utilização, nem o prazer do manuseamento inato que temos vindo a adoptar com o passar dos tempos. É um entretém, uma forma de me ajudar a adormecer sem o conseguir, e uma forma de me distrair e levar o pensamento para o que não me deixa realmente adormecer. Contra senso, sim, mas é habitual. Normal. Característico. Adjectivável. Digo a tabuada do dois ao nove de quando em vez antes de adormecer! Será assim tão estranho?